Em sua coluna o escritor e jornalista Ruy Castro, recorda a primeira ação de reivindicação do direito do autor em hotéis e denuncia projeto de lei que favorece o lobby hoteleiro em detrimento dos compositores. A matéria foi publicada no dia 29 de agosto no jornal Folha de São Paulo. Confira a íntegra do texto abaixo:
“Música de graça
A música deve muito a um compositor chamado Victor Herbert (1859-1924). De suas operetas, anteriores à i a Guerra, saíram valsas que seduziram duas ou três gerações, como “Ah, SweetMystery of Lire” e “Sweethearts”. Mas seus colegas, os compositores, lhe devem ainda mais. Foi por causa dele que passaram a receber pelo uso de sua obra fora do palco.
Aconteceu em 1913, quando Herbert almoçava no Shanlev’s, restaurante de luxo em Nova York Enquanto ele comia, a orquestra da casa tocava suas valsas. Depois de pagar a conta, perguntou ao gerente se a música atraía muitos clientes e se estava embutida nos preços cobrados pela casa. Ao ouvir que sim e que o restaurante não precisava pagar por aquilo, Herbert processou o Shanley’s.
Custou quatro anos, mas ganhou a causa e firmou uma jurisprudência, que levou à criação, nos EUA, de uma sociedade obrigando o pagamento de direitos autorais pelo uso de música em restaurantes, hotéis e similares. Tal medida foi adotada em toda parte e, no Brasil, sua aplicação tem cabido historicamente ao Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).
Nesses nossos tempos de perseguição de pessoas decentes por canalhas, deputados federais aliados do lobby hoteleiro tentam aprovar em regime de urgência um projeto para livrar os hotéis desse pagamento. O argumento é o de que os hotéis estão quebrados com a pandemia.
Donde a solução é privar de rendimento os 383 mil músicos filiados ao Ecad, 99% dos quais estão sem emprego e sem trabalho pela mesma pandemia e dependendo dos R$ 0,35 ou R$ 0,60 que recebem quando sua música é ouvida num quarto de hotel Seum compositor tiver muitos sucessos na carreira, talvez fature R$ 500 por mês.
Neste momento, há músicos rifando seus instrumentos para se livrarem do despejo. Se forem postos na rua, os hotéis não os acolherão de graça. Mas querem tocar sua música – de graça”.
Fonte: Folha de São Paulo