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ECAD e a Proteção dos Direitos Autorais na Era da Inteligência Artificial

Em meio ao avanço avassalador das ferramentas de Inteligência Artificial Generativa (IAG) no cenário musical, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), em conjunto com as Sociedades de Gestão Coletiva de Direitos Autorais, deu um passo significativo na proteção dos direitos dos autores, compositores, intérpretes e produtores fonográficos: a reformulação dos formulários de cadastro de obras musicais e fonogramas para contemplar informações específicas sobre o uso de IAG.

Essa iniciativa, anunciada oficialmente em junho de 2025, atende a uma demanda urgente do mercado: a necessidade de diferenciar criações humanas das geradas ou auxiliadas por inteligência artificial, especialmente considerando o atual entendimento jurídico de que obras criadas exclusivamente por I.A não são passíveis de proteção por direitos autorais no Brasil, conforme os preceitos da Lei 9.610/98.

Transparência como Alicerce da Proteção

Com a inclusão dos novos campos nos formulários — que agora exigem a indicação do tipo de uso de IAG (total ou parcial), da ferramenta ou plataforma utilizada, bem como o prompt (comando) que gerou a obra —, a gestão coletiva passa a operar com maior precisão e transparência. Isso não apenas fortalece os mecanismos de controle sobre o repertório protegido, como também oferece dados importantes para o entendimento do impacto real da I.A no setor musical brasileiro.

Essa medida contribui de forma direta para a proteção dos titulares de direitos, já que possibilita uma triagem mais cuidadosa e consciente das obras submetidas ao sistema de arrecadação e distribuição. Ao exigir que os cadastros sinalizem claramente o envolvimento da inteligência artificial, o ECAD evita que obras potencialmente não protegíveis sejam incluídas indevidamente nas bases de arrecadação, o que poderia prejudicar financeiramente os autores humanos legítimos.

Uma Resposta Concreta à Ameaça do Uso Indevido

O uso indevido de obras protegidas por ferramentas de I.A — como sampleamentos, treinamentos de algoritmos sem licença e reinterpretações automatizadas — tem gerado lucros vultosos para empresas de tecnologia sem qualquer remuneração aos autores originais. Trata-se de um problema que não é apenas jurídico, mas ético e econômico. E é nesse cenário que a ação do ECAD se revela estratégica.

Ao criar um mecanismo de identificação e categorização dessas obras no momento do cadastro, o sistema de gestão coletiva sinaliza ao mercado que está atento às transformações tecnológicas e empenhado em garantir o cumprimento da legislação. Mais ainda: reforça o compromisso com a valorização do trabalho criativo humano em tempos de automação.

Segurança Jurídica e Assertividade na Gestão

Para os titulares de direito, a iniciativa representa mais segurança jurídica. Com a base de dados organizada de forma a refletir o grau de intervenção da IAG em cada obra ou fonograma, eventuais disputas sobre autoria ou elegibilidade para arrecadação podem ser resolvidas de forma mais célere e objetiva.

Além disso, a medida se alinha ao movimento internacional de monitoramento da I.A nas indústrias criativas. Em diversas jurisdições, como nos Estados Unidos e na União Europeia, discute-se a implementação de mecanismos semelhantes, que envolvem tanto a rotulagem obrigatória quanto a proibição de determinados usos de obras protegidas para treinamento de algoritmos sem consentimento dos autores.

A Importância da Colaboração dos Associados

É fundamental que os associados compreendam a lógica e os objetivos dessa nova etapa. Ao preencher corretamente os novos campos de cadastro, os titulares não apenas cumprem com uma exigência formal, mas também colaboram com a integridade do sistema de arrecadação e distribuição.

A coleta precisa dessas informações ajudará não só na proteção dos titulares de direitos, mas também na elaboração de políticas públicas, ações judiciais, e no desenvolvimento de ferramentas tecnológicas que possam identificar com mais eficiência criações feitas por I.A. O mercado já dispõe de tecnologias capazes de apontar, com certo grau de precisão, a origem artificial de uma obra — e os dados fornecidos no cadastro reforçam e calibram esse processo.

Um Marco para o Futuro da Criação Musical

A iniciativa do ECAD não é um simples ajuste burocrático. Trata-se de uma medida com potencial para se tornar um marco regulatório na forma como a música é entendida, protegida e distribuída em um cenário de crescente protagonismo da inteligência artificial.

Proteger a criatividade humana não significa negar o valor das ferramentas tecnológicas, mas sim garantir que elas sejam utilizadas de forma justa, respeitosa e transparente. A distinção entre criação humana e produção automatizada é um passo fundamental para assegurar que o sistema de direitos autorais continue a cumprir seu papel: recompensar a originalidade, incentivar a cultura e garantir a sustentabilidade do trabalho artístico.

Considerações Finais

A alteração promovida pelo ECAD e pelas sociedades de gestão coletiva de direitos reflete o compromisso com a defesa dos titulares diante dos novos desafios tecnológicos. Ao regulamentar o cadastro de obras com uso de I.A., o sistema de gestão coletiva brasileira se antecipa a conflitos, orienta o mercado e resguarda o que há de mais valioso na cadeia produtiva da música: o trabalho criativo humano.

A mensagem é clara: a inteligência artificial pode ser uma ferramenta, mas jamais deve ser confundida com o autor. E proteger essa distinção é dever de todos os que acreditam na força e na dignidade da criação artística.

Lucas Oliveiras – Relações Internacionais

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