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Um Pouco da História de 79 anos da SBACEM 

A SBACEM – Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música – surgiu no coração de uma efervescente transformação cultural e social no Brasil do século XX. Fundada em 28 de outubro de 1946, no Rio de Janeiro, a entidade nasceu do anseio de autores musicais por maior autonomia, respeito e proteção a seus direitos intelectuais. Entre seus fundadores, estavam nomes como Walfrido Silva, Cândido Dias da Cruz, Henrique Vogeler, J. Maia, J. Simas, entre outros destacados compositores e ativistas da causa autoral. A SBACEM não foi apenas uma associação de classe, mas um símbolo de resistência e afirmação da cultura popular brasileira – especialmente do samba – como arte legítima e digna de proteção jurídica. 

A formação da SBACEM e a luta por direitos autorais 

Nas décadas de 1920 a 1940, como mostra a tese “Nem do morro, nem da cidade” de José Adriano Fenerick, o samba passou por uma profunda transformação: deixou de ser marginalizado para se tornar um símbolo da identidade nacional. Mas, apesar desse reconhecimento, seus compositores permaneciam em grande parte desassistidos. Em meio a um cenário de forte crescimento da indústria cultural – com a popularização do rádio, das gravações em disco e do carnaval como espetáculo midiático – cresceu a necessidade de organização da classe artística. 

É nesse contexto que surge a SBACEM, como resposta à ausência de mecanismos eficientes de proteção aos direitos dos criadores. Segundo o Dicionário Cravo Albin da MPB, Cândido Dias da Cruz foi uma das figuras centrais desse movimento. Advogado e compositor, ele combinava conhecimento jurídico com sensibilidade artística, sendo peça-chave na estruturação da entidade e nos embates políticos e legais que se seguiriam. 

O papel de Walfrido Silva 

Outro protagonista fundamental foi Walfrido Silva, dramaturgo, poeta e letrista, conhecido por sua atuação junto a nomes como Noel Rosa, Pixinguinha e Donga. Conforme destaca Marcelo Bonavides em seu blog, Walfrido tinha consciência aguda da injustiça com que os artistas populares eram tratados. Sua sensibilidade artística andava de mãos dadas com um espírito combativo, que encontrou na SBACEM um instrumento para defender seus pares. 

Segundo Bonavides, Walfrido foi um dos primeiros intelectuais do samba a compreender que o talento sozinho não bastava: era preciso organização para garantir que compositores e intérpretes fossem pagos pelo uso de suas obras. Sua presença na fundação da SBACEM ajudou a legitimar a entidade como ponto de convergência entre arte e política. 

A construção do ECAD 

A luta pela remuneração justa culminou na criação, em 1973, do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), entidade privada responsável pela gestão coletiva dos direitos autorais no Brasil. A SBACEM esteve entre as associações fundadoras, junto da UBC, SICAM, AMAR, ABRAC, SBAT e SADEMBRA. A criação do ECAD foi uma tentativa de centralizar e profissionalizar o processo de cobrança pelo uso público de músicas em rádios, TVs, casas de show, eventos e estabelecimentos comerciais. 

A participação da SBACEM foi ativa e estratégica: seus dirigentes ajudaram a desenhar o modelo de arrecadação e a garantir que compositores de todos os gêneros – especialmente os populares – tivessem acesso à distribuição dos valores arrecadados. Com isso, a SBACEM se consolidou como defensora ferrenha dos autores brasileiros, num cenário onde as grandes gravadoras e emissoras de rádio muitas vezes ditavam as regras. 

O samba, o morro e o mercado 

O historiador José Adriano Fenerick ressalta que o samba, mesmo após sua ascensão simbólica à condição de “música nacional”, continuou sendo disputado entre diferentes forças sociais. Parte do repertório e dos intérpretes ainda vinha das camadas populares – negros, pobres, moradores dos subúrbios e morros cariocas –, e a SBACEM teve um papel importante na valorização dessa produção, combatendo preconceitos e promovendo a inclusão desses compositores no sistema formal de arrecadação de direitos autorais. 

No capítulo III da sua tese, Fenerick mostra como a indústria cultural tentava enquadrar o samba em formatos comerciais padronizados, mas associações como a SBACEM resistiam a essa pasteurização. Ao garantir que sambistas fossem reconhecidos legalmente como autores, a SBACEM não apenas fortalecia os indivíduos, mas também o próprio samba enquanto expressão cultural plural. 

Inclusive em fins dos anos 60, em uma das salas da SBACEM, uma conversa entre Donga, Compositor do Samba “Pelo Telefone” samba de 1916 e o primeiro de grande sucesso e Ismael Silva, compositor e fundador do bloco que se tornaria o percursor da primeira escola de samba de que se tem notícia: a Deixa Falar, que procurava responder a então “clássica” pergunta: “qual é o verdadeiro samba?”. 

Legado e contribuições 

Durante as décadas seguintes, a SBACEM expandiu sua atuação para além do Rio de Janeiro, abrindo representação em outros estados e consolidando sua relevância institucional. Atuou judicialmente em casos emblemáticos, promoveu seminários sobre propriedade intelectual e manteve uma política ativa de apoio a seus associados. 

Ainda segundo fontes como o site Música e História, a SBACEM se destacou por oferecer assistência jurídica direta aos seus membros, num tempo em que muitos artistas sequer sabiam o que eram direitos autorais. Seu trabalho educativo – por meio de cartilhas, palestras e atendimento – ajudou a formar gerações de músicos conscientes de seus direitos e mais preparados para atuar no mercado. 

Críticas e desafios 

Com o passar do tempo, a SBACEM também enfrentou críticas e desafios. O próprio sistema do ECAD foi alvo de denúncias de falta de transparência e favoritismo, especialmente entre os anos 1990 e 2000. A SBACEM, como uma das associações mantenedoras, teve que lidar com pressões por modernização, governança e adequação às novas tecnologias de distribuição musical, como o streaming. 

Mesmo diante das críticas, o legado da SBACEM permanece inegável: ela foi uma das primeiras entidades a lutar sistematicamente pelos direitos dos compositores no Brasil, atuando tanto no campo jurídico quanto no simbólico. 

A história da SBACEM é, portanto, indissociável da história do samba, da música brasileira e da luta pelos direitos dos trabalhadores da cultura. Fundada por artistas que compreenderam a importância de se organizar coletivamente, a SBACEM foi pioneira na defesa do direito autoral num país onde a informalidade sempre marcou as relações culturais e comerciais. 

Ao ajudar a fundar o ECAD, ao proteger legalmente os criadores e ao promover a valorização de gêneros populares como o samba, a SBACEM firmou-se como uma das principais protagonistas da história musical brasileira. Seu exemplo continua a inspirar novas gerações de artistas que buscam não apenas criar, mas também viver dignamente de sua arte. 

Lucas Oliveira – Relações Internacionais

Explorando o Universo Musical

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